“A Diocese precisa de uma livrariazinha”
Foi assim que o bispo diocesano, Dom Geraldo Lyrio Rocha falou ao seu colega de adolescência, Ernandes Samuel Fantin, que acabara de chegar a Colatina, no interior do Espírito Santo, dizendo que queria ser padre.
Era uma bela manhã de domingo, 16 de dezembro de 1992 em pleno verão. Parecia mesmo que o bispo havia programado, naquele dia, dar atenção especial ao seu amigo de longa data.
Conversaram até tarde da noite relembrando o tempo bom do seminário menor na Praia de Santa Helena em Vitória, de Dom João Batista, da Universidade Gregoriana de Roma, do Colégio Pio Brasileiro, de Fundão e João Neiva… Dormi com a livrariazinha na cabeça.
No dia seguinte, no café da manhã, perguntei se ele dispunha de capital para a livraria. Todo confiante disse que tinha 5 mil dólares que recebeu de Dom Ervin Kräutler, amigo que ele chamava de compadre e que voltando da Áustria onde fora visitar a família, trouxe alguns donativos em dinheiro que agora partilhava com o compadre que iniciava uma nova diocese.
Estranho! Mais confiança do que dinheiro.
Nossa livraria se chamará “CORDIS”, sentenciou o bispo já imaginando uma placa bem desenhada. E juntos declinamos o substantivo masculino “Cor” (coração) lembrando das aulas de latim com padre Acácio.
Cor, cordis… o coração, do coração… E cheio de explicações, fundamentou o nome da livrariazinha dizendo que o padroeiro da Catedral era o Coração de Jesus.
CORDIS, DO CORAÇÃO. Tá certo! Quem era eu pra dizer o contrário. dom Geraldo, homem sábio!
– “Procure o Sr. Anísio Richa que pertence ao Conselho Econômico Diocesano, ele vai te ajudar a encontrar um local para alugar,” disse o bispo.
Foi o que fiz naquele mesmo dia. O Sr. Anísio era um comerciante e tinha uma loja de tecidos finos chamada “A Colatinense”. Conhecia todo mundo na cidade e imediatamente me levou pra conhecer uma lojinha, em uma garagem, na Av. Getúlio Vargas. Fiquei meio desapontado, mas, para uma “livrariazinha”, estava de bom tamanho.
No lanche da noite, depois da missa, falei que tínhamos encontrado um local razoável. Ficou muito contente e disse para eu procurar Ortêmio Locatelli Filho, que era um jovem empresário, dono da Locatelli Móveis. Marcamos um encontro, medimos o espaço, desenhamos estantes, balcões, armários… Enquanto os móveis estavam sendo fabricados, contratei um pintor e, juntos, demos uma “guaribada” na loja.
Combinei, também, com a proprietária, a construção de um banheiro no fundo da loja que dava pro seu jardim. As coisas estavam caminhando.
MDC – LIVRARIA CORDIS foi a razão social que o contador colocou no Contrato da mais nova empresa comercial que se estabelecia em Colatina com CNPJ e tudo. Na Gráfica Comercial, conheci o Sr. Brunório. Que homem admirável! Solícito, chamou sua filha Márcia, pedindo que me desse atenção especial.
Encomendei os blocos de notas fiscais, de pedidos/orçamentos, recibos, etc. Márcia sugeriu uma logomarca que permanece até hoje.
Não tínhamos, ainda, computadores de modo que as listas de bíblias e livros foram datilografadas e enviadas pelo correio a algumas editoras mais conhecidas.
Assim, os dias foram se sucedendo e eu me envolvia com a montagem da livraria sem, no entanto, perder de vista o motivo principal que me trouxera para estas bandas: ser padre.
Sabiamente, o bispo recomendou-me um retiro espiritual nesse momento de decisão quanto ao novo estilo de vida que eu estava iniciando. Sugeriu o retiro Inaciano em Itaici – SP, no mês de janeiro. Optei por um com ênfase na liturgia. Foram oito dias de silêncio, oração e reflexão.
Terminado o retiro e aproveitando que estava em São Paulo, visitei algumas lojas já pensando na livraria da Diocese de Colatina. O Apostolado Litúrgico tinha uma bonita loja no centro da cidade. Tentei comprar alguns produtos. Não foi nada fácil. A atendente era uma freira que me olhava desconfiada. Foi até preciso telefonar para dom Geraldo que lhe falou do nosso pequeno empreendimento.
A partir daquele momento a irmã começou a me olhar como concorrente. Imagine só! Mesmo assim, comprei uma túnica com um detalhe estampadinho na manga. Quando a usei pela primeira vez na catedral de Colatina, um coroinha me disse que parecia enfeite de pano de prato. Acho que ele tinha razão. Era meio esquisita mesmo. Mas a visita às Pias Discípulas do Divino Mestre serviu-me muito, embora a irmã tivesse se negado a dar qualquer informação de outros possíveis fornecedores.
Pensativo, olhei para o alto e vi, pendurado na parede à minha frente, um calendário onde se lia: Siderúrgica Luiz Carrara – cálices, âmbulas, ostensórios… Anotei o endereço, peguei um táxi e corri pra lá. Fui muito bem acolhido. Expliquei que estava montando uma lojinha da Diocese, numa cidade do interior do Espírito Santo, escolhi algumas poucas peças, negociei prazo e ainda consegui indicação de um fornecedor de medalhas e terços. Hoje, o filho do Sr. Luiz, responsável pela indústria, diz que CORDIS é seu maior e melhor cliente. Eduardo Carrara é um grande parceiro da CORDIS.
Voltando pra Colatina finalizamos a montagem da loja que já estava pintada. As mercadorias compradas começaram a chegar e, assim, no dia 12 de fevereiro de 1993 a livraria foi Inaugurada. Dom Geraldo estava lá todo feliz acompanhado do Pe Acácio, Pe Maurício, Pe Duque, Sr. Anísio Richa e mais algumas poucas pessoas, tanto porque o espaço era pequeno. Terminada a bênção, que foi simples e ao mesmo tempo solene, o Sr. Anísio fez a primeira compra: o documento de Santo Domingo.
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Extraído do livro “Cordis – Jubileu”
Fotos: Acervo Cordis
Por Pe Ernandes Samuel Fantin
Chanceler e Diretor do Grupo Cordis