No livro de Atos dos Apóstolos, Lucas, resume a chegada do Evangelho a Tessalônica e os primeiros passos da comunidade (At 17,1-9). O anuncio primeiro não chegou através de uma carta. Após o Concilio de Jerusalém, por volta do ano 51, Paulo e seus colaboradores se dirigem primeiramente aos judeus, pregando a eles o Kerigma, isto é, o anúncio do Cristo morto e ressuscitado. Diante da recusa majoritária desse grupo, sua segunda ação se dirige aos gentios, pessoas provenientes de diversas culturas, simpatizantes do Judaísmo.
A pregação inicial de São Paulo tinha como preciso objetivo comunicar a todos os homens da terra a urgência da conversão em vista da chegada de Cristo – considerada iminente -, para o Juízo Final.
A fundação da comunidade de Tessalônica se dará na “segunda viagem missionária”, conforme o esquema do livro dos Atos. Pode ser chamada de “primeira viagem missionária sob a responsabilidade de São Paulo”, porque foi esta que ele empreendeu por responsabilidade pessoal, como membro enviado pela comunidade de Antioquia da Síria.
E seu roteiro não é diverso daquele indicado pelos Atos 16-18.
Depois de passar por Tarso, por Derbe, Listra, Icônio e provavelmente por Antioquia da Pisídia, adoeceu, e por este motivo evangelizou os gálatas. Somente depois é que viajou para noroeste em direção de Troas, para embarcar para o território europeu, onde iniciou sua missão, com a fundação de Filipos.
Assim diz o livro dos Atos, 16:
v. 11: “Tendo embarcado em Troas, rumamos direto para Samotrácia; depois, no dia seguinte, chegamos a Neápolis;
v. 12: e de lá fomos para Filipos, cidade importante do distrito de Macedônia e colônia romana. Nesta cidade passamos algum tempo”.
Este “algum tempo” está descrito em At 16,13-40.
Muitas coisas aconteceram em Filipos: São Paulo e companheiros conheceram os futuros cristãos reunidos na beira do rio e houve a conversão de Lídia. Por ter São Paulo expulso o espírito da jovem possessa que dava lucro a seu patrão, ele e Silas foram presos e açoitados com varas. Este fato marcou São Paulo e Silvano, que não o esqueceram, devido ao trauma, a humilhação, apesar dos efeitos positivos na conversão do carcereiro e sua família, além de provocar a compaixão da comunidade, que sentirá necessidade de apoiar sempre São Paulo com ajudas posteriores, como também a comunidade de Tessalônica terá conhecimento disto (1Ts 2,2). Finalmente libertados, partindo da cidade depois de saudar Lídia e a comunidade.
– S. Paulo elabora sua Teologia aos poucos: Não se pode pensar que no momento em que evangeliza suas comunidades nesta sua primeira missão pessoal São Paulo já tivesse uma Teologia tão elaborada como aquela que aparecerá nas suas grandes epístolas, especialmente em Gálatas, 1 e 2 Coríntios e Romanos. Mas não estará longe do que ensinará dentro de poucos meses aos Coríntios.
– mas leva já de início um esquema do Quérigma: Os autores falam de um esquema teológico inicialmente utilizado por São Paulo nas suas primeiras pregações, o chamado “Quérigma originário”, que, sem dúvida, não diferenciava grandemente do de toda a Igreja primitiva.
O estudo nos mostra que os gastos com suas missões eram em parte cobertos por ele mesmo, com seu trabalho (1Ts 2,9; 2Ts 3,7-10), e em parte com a ajuda das comunidades. Numa localidade desconhecida, procurava em praças ou no mercado comerciantes de couro e pelos de cabras ou de ovelhas. O comércio da lã lhe abrirá muitas portas na região da Acaia e da Frigia. Este era o meio em que se inseria imediatamente. Sua profissão era fazer tendas e objetos de couro. Em sua bagagem levaria instrumentos de trabalho: facas, agulhas, linha, pedra de amolar. Talvez algum papiro ou pergaminho com textos bíblicos.
Este aspecto de São Paulo vendedor de tendas foi pouco considerado pelos exegetas; no entanto hoje em dia tem sido redescoberto. Sem vender suas tendas ele não poderia se manter; diz aos tessalonicenses ter trabalhado arduamente, dia e noite, para não lhes ser um peso: 1Ts 2,9-10.
Em suas cartas há pedidos de ajuda financeira. Pede aos Macedônios (2Cor 11,9). Filipos o ajudava: Fl 4,10-20. Pedia ajuda para viajar de uma localidade para outra: 1Cor 16,6; Rm 16,24. Precisava desta ajuda para ter as provisões, companheiros e guias de viagem, hospedagem, etc. Marca de sua atividade apostólica era o desinteresse: não se aproveitava das pessoas, como o faziam certos filósofos ambulantes. Não fazia comércio da palavra de Deus (2Cor 2,17).
Com os filipenses tinha feito um acordo de colaboração financeira: Fl 4,15, controladas as contas por escrito, com entradas e saídas.
No caso de Tessalônica, recebeu inicialmente ajuda dos filipenses: Fl 4,16, e principalmente manteve-se com o seu próprio trabalho, árduo, dia e noite: 1Ts 2,9-10, fato que podia ser testemunhado pelos próprios tessalonicenses.
Religião: Do ponto de vista religioso Tessalônica era uma típica cidade da época: divindades romanas, divindades locais, cultos mistéricos do Egito e da Ásia Menor. Portanto havia politeísmo e sincretismo. Os judeus estavam presentes, tinham sua sinagoga (1Ts 2,14-16; At 17,2) e foram ativos contra a pregação de S. Paulo, forçando-o a sair da cidade (At 17,5-10) para Beréia.
De tal diversidade religiosa, e da recusa de muitos judeus em aceitarem a pregação de São Paulo, a comunidade de Tessalônica será em sua maioria formada por não-judeus, portanto muito diferente daquelas da Judéia, de maioria judia, e da de Antioquia, que era mista.
Economia: Comercialmente Tessalônica era significativa por sua localização privilegiada: por ela passava a Via Egnatia, que ligava o oriente ao ocidente por terra. Seu porto era um dos maiores do Mar Egeu. Portanto sabe-se que o comércio era o ponto forte de sua economia, e pode ter havido convertidos ao cristianismo entre os que praticavam um comércio humilde. A epístola não faz referencia a nenhum comerciante abastado. O próprio ambiente de trabalho freqüentado por São Paulo, o dos tecelões de tendas, estava perto de ser um trabalho tão pobre, que poderia ser comparado ao de escravos.
Política: Do ponto de vista político, era cidade livre dentro do império Romano, privilégio obtido do imperador Augusto. Tinha: boulh, “bulé”, senado próprio, dh/moj “demos”, sua assembléia do povo: At 17,5, e polita,rcai “politarcas” seus magistrados: At 17,8).
Sociedade: Havia nela gente de diversas nacionalidades, como atestam as inscrições encontradas em documentos pelos historiadores.
Do ponto de vista social há poucas informações, seja sobre a organização da sociedade em classes, seja sobre a organização da comunidade depois de sua conversão.
Através de 1Ts 4,11, que fala de trabalhos feitos com as mãos, pode-se supor que um bom número dos convertidos fosse de artesãos. Numa época em que não existiam máquinas, havia grande número de trabalhos a mão: oleiros, tecelões, padeiros, pedreiros, marceneiros, estivadores do porto, etc. Não se pode esquecer que escravos não eram poucos. Haveria judeus comerciantes de todo tipo, banqueiros e gente de profissões modestas.
São Paulo converteu o proletariado de Tessalônica. Lembra especialmente a pobreza dos macedônios convertidos, como é dito em 2Cor 8,2. Talvez Jasão fosse um dos poucos em melhores condições econômicas (At 17,1-10). Como tecelão de tendas de pelo de cabra São Paulo se sentiria pobre como os tessalonicenses pobres, e por isto mesmo, capaz de conquistá-los, dando-lhes a esperança e dignidade de que se sentiam privados.
– no mínimo um ano: At 17,2 fala de três sábados.
– tempo insuficiente: Todos os comentaristas acham que tanto em Filipos como em Tessalônica não houve tempo suficiente para dar a estrutura e solidez desejadas pelo próprio São Paulo.
Timóteo e Silvano terão ficado algum tempo a mais, porque era necessário dar continuidade ao trabalho, depois de terem passado um período em Beréia (1Ts 3,1-2). Depois se dá a fuga de São Paulo para Atenas.
– comunidades firmes: Timóteo encontrará S. Paulo em Corinto (ou em algum lugar perto de Atenas), e lhe dará boas notícias (1Ts 3,6-10). Movido ainda pela idéia de que tal tarefa com os Tessalônica devia ser continuada, isto São Paulo faz por meio da epístola. Assim foi que o insuficiente tempo de São Paulo em Tessalônica fez surgir o primeiro texto do Novo Testamento.
– fuga dos judeus: São Paulo e companheiros foram perseguidos pelos judeus: cf. At 17,5-10.
Fugindo para Beréia procuraram lá a sinagoga e foram bem recebidos (vv. 10-12).
Logo depois os judeus de Tessalônica vieram a Beréia (v.13), a comunidade fez com que São Paulo saísse para o mar (v. 14) enquanto Timóteo e Silvano ficaram lá.
– fuga para Atenas: de lá São Paulo foi acompanhado por cristãos de Beréia, até Atenas (v.15), que em seguida voltaram, dizendo a Silas e Timóteo que fossem ao encontro de São Paulo o quanto antes.
– tarefa inacabada na Macedônia: Portanto para São Paulo e seus companheiros a missão na Macedônia ficou inacabada. Teve esta frustração logo no início de sua pregação na Europa, depois de iniciá-la com todo o idealismo.
Isto será para ele motivo de grande preocupação, o que não o deixará em paz em Atenas.
– insucesso em Atenas: Isto certamente terá influído no insucesso de sua fala no Areópago, seria um dos sofrimentos que terá em mente ao falar aos gálatas sobre as dificuldades por que passou (Cf. 2Cor 11,28-29).
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Pe Selésio Petri
Presbítero da Diocese de Colatina, atualmente pároco da Paróquia do Bom Pastor – Linhares-ES. Mestre em Teologia Bíblica na Pontifícia Studiorum Universitas a S. Thoma. Aq. in Urb (Angelicum)